Malditas fronteiras
Romance
Duas crianças vivem a sua infância em Belo Horizonte às vésperas da segunda guerra mundial. Valentino é o filho único de um empresário que odeia os estrangeiros e escreve artigos para um jornal, defendendo a entrada do país na guerra contra a Alemanha. Sophie é uma menina alemã, que vive com o pai e o avô, o idoso mestre cervejeiro Konrad.
Lendas medievais, espiões nazistas e duelos pela honra se misturam às tensões políticas e familiares, enquanto o casal de amigos tenta preservar sua amizade num mundo cada vez mais dominado pelo radicalismo.
Vencedor do Prêmio Nacional Cidade de Belo Horizonte em 2013, Malditas fronteiras foi também um dos finalistas do Prêmio Benvirá de Literatura.
Prêmio Nacional Cidade de Belo Horizonte
Malditas fronteiras é um dos romances mais belos que eu li nos últimos tempos. Desconfio que seja também umdos mais belos do atual cenário de nossa literatura. Texto vigoroso, impecavelmente tramado, de grande forçaplástica e emotiva, romance que diz a que veio; livro cuja importância impõe a grandeza das obras permanentes,obras que vieram para ficar em definitivo entre as imprescindíveis.
Alexandre Bonafim,
professor de literaturas de língua portuguesa da UEG
(Diário da Manhã, Goiânia)
Dono de uma narrativa quase poética, João Batista Melo revive na literatura brasileira a presença da cultura alemã, tema presente na obra de grandes escritores nacionais como Viana Moog, Josué de Guimarães e Assis.
Abadia de Ettal, Alemanha. Foto: João Batista Melo
LZ_127_Graf_Zeppelin sobrevoa o Rio d Jorge Kfuri (1893-1965) [Public domain], via Wikimedia Commons
“Malditas fronteiras, sem dúvida, é um dos mais significativos romances brasileiros contemporâneos sobre um tema milenar e recorrente na literatura universal".
Ronaldo Cagiano, Correio Braziliense
Sophie é uma espécie de Marco Polo que, sabedor da impossibilidade de se partilhar a memória, oferece a realidade. E esse é apenas
um dos grandes méritos do livro de Melo, vencedor do Prêmio Nacional da Cidade de Belo Horizonte.
Sérgio Tavares, O Diário
João Batista fala sobre "Malditas Fronteiras" durante a
Feira Literária de Poços de Caldas
Trecho
A rua ocupa todas as minhas lembranças. Sem ela, não existiriam as casas. Sem as casas, não haveria os brinquedos, os jogos, as histórias. Vejo-me correndo na calçada, as árvores lançando folhas sobre nossos pés inquietos, a grade da amarelinha riscando o cimento. Sophie de tranças loiras salta pelos quadrados, as pequenas sandálias preenchendo os números.
Não sei ao certo se estávamos em 1935 ou 1940, assim como desconheço se tínhamos dez ou doze anos. É apenas uma imagem solta que me ocupa os olhos. Um retrato que prendo à parede. Pode ser uma ilusão construída de fragmentos da realidade. Talvez eu não tenha vivido essa tarde, e a menina ao meu lado, pulando o jogo que o giz risca na calçada, seja apenas uma síntese de todos os momentos que passei naquela rua.
Novamente a rua: um traço de paralelepípedos atravessando meu passado. Dela cresciam as casas, em seu entorno se moviam as pessoas. Papai, mamãe. Sophie. Os alemães. E os outros vizinhos, para um lado e para o outro, em ambas as margens da rua. Um rio onde eu navegava com os meus sonhos de criança, lapidando uma felicidade que se construía com pequenas, mas profundas alegrias. Se hoje eu buscasse esse rio, não poderia encontrá-lo. É bem verdade que a rua continua lá, em algum obscuro recanto de Belo Horizonte, embora coberta de asfalto, aprisionada entre prédios. No entanto, ainda que as casas fossem as mesmas, e o betume não manchasse o espaço que pertencera aos paralelepípedos, não seria a mesma rua.
Não consigo mais dizer em que instante a ordem se rompeu. Talvez na tarde do jogo de amarelinha. Talvez algum tempo depois. Seja como for, sempre que penso naquela época, no fraterno carinho pela menina alemã, ou mesmo na mudança que transformou papai ante meus olhos, como alguns personagens das histórias do senhor Konrad, emerge o instante do primeiro encontro com Erika. Quem sabe no próprio dia do jogo de amarelinha ela tenha caminhado em nossa direção, passos firmes, cabelos amarelos voando em meio às folhas que se soltavam das árvores, a mala pesada com poucas roupas e muitos livros, a criança adormecida no colo e envolta numa manta azulada.
Lembro-me de tudo isso e até mesmo das coisas que não vi, transformando em cenas frases que algum dia escutei, embalando os fatos com as minhas ideias como se fossem elas as condutoras da realidade. E assim recrio meu passado e o mundo que conheci durante longo tempo, com a esperança de neles encontrar as explicações para os muitos sonhos que não desabrocharam e para os pesadelos que ainda hoje carrego impenetráveis.
A pedra rola sobre os quadrados. Sophie dobra uma das pernas, enquanto a outra a sustenta, aquieta-se numa pose de garça, depois salta levemente, os olhos fechados. O vestido se agita junto aos joelhos, a meia afrouxa com o pulo e escorre até o tornozelo. Os quadrados avançam pela calçada, em grupos de um e dois, revezando-se até o semicírculo onde o giz escreveu a palavra “céu”. É ali que eu a espero, sempre temeroso de que seus pés se confundam na hora do salto.
Neste momento, conduzo as minhas lembranças. Impeço que os fatos me dominem. Prefiro as impressões, a emoção, os sentidos. Esqueço também a solidão e a saudade. Agora é somente essa imagem que me interessa. Sophie ergue as mãos para buscar o equilíbrio na frágil postura. Um pássaro prestes ao voo. Uma estátua de fonte, na fluidez imóvel dos jardins. Quando chega ao fim do traçado, ela se desequilibra, a perna suspensa busca o apoio do chão, enquanto o pequeno corpo tomba para a frente. É então que eu estendo minhas mãos e a amparo, transformando um mero instante na mais terna recordação que trago da infância.
Esse é um livro para os amantes de histórias baseadas em eventos históricos e para os que ficaram órfãos de livros como A menina que roubava livros.
Junno Sena - site Geek Up
Apesar de utilizar um momento histórico já bastante desgastado na arte — quantas obras sobre a Segunda Guerra existem por aí? —, a discussão permanece atual e de suma importância. As fronteiras ainda hoje são malditas, como podemos ver a cada dias nos noticiários, que falam de pessoas que tentam entrar na Europa para escapar das calamidades que vivem no Oriente Médio ou na Ásia. Aqui mesmo, no Brasil, vemos a cada dia aumentar os casos de ódio contra imigrantes haitianos, bolivianos ou a gente de qualquer outro país mais pobre que o nosso.
Rodrigo Cazarin, Rascunho
Poucos romancistas contemporâneos se arriscam numa área que também é central na minha própria obra: a família. João Batista, cineasta e documentarista, faz isso muito bem em Malditas Fronteiras.
Thales Guaracy - Martin Amis e jovens autores que merecem ser lidos
(...) uma obra de extrema atualidade, mesmo sendo predominantemente ambientado no período da Segunda Guerra Mundial.
Flávio Quintale - Trincheiras humanas
O resultado é um livro lindo e altamente recomendável.
Alessandro Thomé, escritor
Zeppelin,Baia_de_Guanabara,25-5-1930 Autor desconhecido [Domínio público], via Wikimedia Commons