Prêmio Bolsa da Biblioteca Nacional para Obras de Autores Brasileiros em Fase de Conclusão
O conto que dá nome ao livro cria uma história alternativa para Louis Armstrong, homenageando ao mesmo tempo o jazz e o músico norte-americano. O livro inclui ainda mais seis contos, entre os quais "A reprodução das abelhas" (publicado originalmente numa edição especial do caderno Mais da Folha de São Paulo sobre a clonagem da ovelha Dolly, com o título de "O espírito da colmeia") e "Arquitetura dos sonhos" (publicado originalmente no jornal O Globo).
"Um pouco mais de swing" reune contos premiados pela Biblioteca Nacional com a Bolsa para Autores com Obras em Fase de Conclusão.
Também integra o livro uma reedição da coletânea "O inventor de estrelas", publicada originalmente em 1991.
Trecho
Ao explorar com concisão a lendária mina das letras de Minas, João Batista Melo mostra que sua fantasia também tem, sempre, swing.
Jefferson Del Rios, Bravo!
Rosa-Linda Obono Mukuy
Arquitetura dos sonhos
A cidade dava a impressão de que ia se desfazer a qualquer momento. Modeladas em adobe, as casas se levantavam do chão como plantas barrentas e subiam tortas e cheias de janelas. Poderia ser uma cidade de sonhos, se não fosse um velho presépio nos confins daquele vale sem futuro, apenas o caminho de um rio desatento que largava miséria em seu rastro de lixos e lamas.
Diante do sobrado feito de barro, a velha modulava superfícies acariciando um monte de argila. Da ponta de seus dedos, percorrendo a matéria escura como se tocasse na pele de um homem, germinava uma cópia em tamanho menor da construção.
Se alguém parasse na praça junto da velha, assentando-se ao seu lado para compartilhar uma tarde, veria um espelho invisível compor a reprodução perfeita do prédio decrépito. Tudo estaria lá nas mãos da velha, as paredes inseguras subindo por cinco andares, as craterinhas das janelas, as portas enfileiradas no primeiro pavimento, a curvatura dos marcos.
O sol se ocultou detrás do sobrado, estendendo uma longa sombra através da praça. A velha continuou imprimindo dígitos na superfície do artesanato, arrematando as curvas delicadas que encimavam as ombreiras das janelas. Precisava terminar o sobrado naquela tarde, pois nos dias seguintes labutaria nas plantações raquíticas que teimavam em nascer no contorno da cidade. O filho demoraria a voltar das lavras onde garimpava parcos salários, trazendo nas mãos apenas o vazio das pedras que ficavam com os donos das minas. Era por isso que ela plantava e colhia, buscando nas entranhas da terra outras criações além de suas diletas miniaturas. O artesanato ficava para as horas de sobra, quando os bibelôs pousavam na praça à espera dos improváveis turistas.
O texto de João Batista concilia rigor e poesia.
Alécio Cunha, Hoje em Dia
É daqueles livros cujas imagens permanecem muito tempo depois de encerrada a leitura.
Luis Giffoni, O Tempo
Prêmio Nacional Cruz e Sousa de Romance
Ao explorar com concisão a lendária mina das letras de Minas, João Batista Melo mostra que sua fantasia também tem, sempre, swing.
Jefferson Del Rios, Bravo!
Suas histórias, naquela linguagem enganadoramente simples que me agrada, têm duração que vai além da leitura.
José J. Veiga
Quase todo o volume está impregnado desse clima de supra-real, de mágico, de fantástico, o que confere à leitura um encanto especial, um aroma de poesia que não se dilui no mero devaneio.
Fausto Cunha
Agrada-me, em especial, o tom tranquilo com que o insólito, o fantástico se insinuam em seus relatos.
Salim Miguel
Prêmio Guimarães Rosa
Lançado em 1991, "O inventor de estrelas" foi o primeiro livro de João Batista Melo publicado. Dois anos antes, seus originais tinham ganho o Prêmio Guimarães Rosa (Prêmio Minas de Cultura), da Secretaria de Cultura do Estado de Minas Gerais.
Suas histórias trafegam entre o realismo mágico e a fantasia, evocando as influências literárias e cinematográficas do autor.
Publicado em 1991 pela Imprensa Oficial de Minas Gerais, como parte da premiação, foi relançado em 1993 pela Editora Lê e, em 1989, foi incluído no livro "Um pouco mais de swing".
Trecho
Rosa-Linda Obono Mukuy
A mais longa viagem
Os aviões cobriam o cômodo, gravados em pôsteres da segunda guerra, pousados sobre o criado e a escrivaninha, as pistas se estendendo pelo topo do guarda-roupa e pelo chão taqueado. Miniaturas soltas por todo o quarto, quietas como pássaros que descansam em um galho de árvore. Spitfires e demoiselles, pequenos boeings e mirages, asas abertas, as rodas riscando a madeira, o corpo de plástico à espera de um toque, de um impulso que nunca chegaria.
A janela fechada deixava entrar apenas um pouco de luz, os raios estriados pelas tábuas da veneziana, sombras cobrindo a cama arrumada, um livro virado sobre a colcha, aberto numa das últimas páginas. Se alguém acendesse a lâmpada, ou se algum dia puxassem a trava que segurava as duas abas da janela, mal se veria o título, oculto sob uma película de pó: S IS FOR SPACE.
Nada se mexia no interior daquele quarto. Somente no princípio da manhã uma porta se destrancava para que uma mulher olhasse para dentro. Os cabelos brancos, rugas no rosto, via-se dela apenas a silhueta, as tarjas de penumbra revelando em faixas o corpo cansado e pequeno. Sem que desse um passo além do portal, sua mão puxava de volta a chave, e um estalo largava os jatos e planadores entregues à escuridão.
No céu que cobria a casa, os aviões de verdade eram manchas distantes, riscos negros ou prateados que vinham céu afora como aves solitárias. Passavam longe, seguindo para as cidades vizinhas, onde pequenos aeroportos aguardavam seu pouso. Na casa, às vezes chegava o ronco longínquo, lembrando uma tempestade que se avizinha por trás das serras.
Não dava para não se impressionar com a história de moradores de uma cidade que vão aos poucos se transformando em estátuas ou a dos meninos que se empoleiram sobre todo um ônibus em movimento deixando apenas um espaço no vidro diante do motorista. Um conto melhor do que o outro.